Boletim USP – OEA, ed. 4, Outubro 2020

O QUE SIGNIFICA O FIM
DAS COLIGAÇÕES PARA O
SISTEMA PARTIDÁRIO
BRASILEIRO?
ISABELLA FARINELLI EICHHORN1

As eleições para as Câmaras
Municipais de 2020 serão as primeiras sem as
coligações partidárias, o que impacta
diretamente nos quocientes eleitoral e
partidário. O primeiro é calculado pela divisão
do número de votos válidos pelo número de
cadeiras a serem preenchidas e representa o
número de votos que um candidato deve
receber para se eleger. O segundo é calculado
pelo número de votos válidos dividido pelo
quociente eleitoral e representa o número de
cadeiras que cada partido ocupará na Câmara.
De modo simplificado, os eleitores estão
primeiro votando no partido para que este
atinja o quociente partidário, depois
discriminando dentro da legenda quem é seu
candidato e, em tese, somente os mais
votados dentro do partido ocuparão as
cadeiras.

O sistema proporcional gera algumas
distorções como a dos “puxadores de voto”,
candidatos que recebem número de votos
muito superior ao mínimo requerido,
aumentando o número de cadeiras a serem
preenchidas pelo partido muitas vezes por
candidatos que não atingiram o quociente
eleitoral. Em 2015, foi sancionada a Lei No
13.165 que estabelece cláusula de
desempenho mínimo de 10% do quociente
eleitoral aos candidatos ao Legislativo, ou
seja, mesmo que um candidato de um partido
conquiste muitas cadeiras à legenda, essas só
poderão ser ocupadas por aqueles que
receberem número de votos superior a um
mínimo estipulado. A mesma lei institui a
cláusula progressiva de distribuição do fundo
partidário, atrelando essa aos resultados de
cada sigla nas urnas.
Outra mudança para diminuir as
distorções do sistema proporcional foi feita
pela Emenda Constitucional No 97 de 2017
que estabelece o fim das coligações
partidárias. A partir deste ano, os partidos
poderão somente formar alianças para as
eleições majoritárias, o que na prática torna
muito mais difícil para uma legenda atingir o
quociente partidário e conquistar uma cadeira
no Legislativo. Estão registrados no TSE hoje
33 partidos, muitos deles com poucos filiados

e parlamentares eleitos, siglas que
possivelmente não atingiriam o quociente
partidário sem formar uma coligação.
O entendimento constitucional de que
partidos possuem total liberdade para criar
alianças entre si foi em parte derrubado pela
nova redação proveniente da Emenda de
2017. Em um sistema multipartidário, é
comum que partidos com ideologias
semelhantes formem coligações para
conquistar terreno político. No Brasil, com o
grande número de siglas, tornaram-se
corriqueiras as alianças para que os partidos
menores com candidatos menos populares
tivessem maiores chances nas eleições e o fim
das coalizões coloca em risco a capacidade de
muitos candidatos de partidos com pouca
força de atingirem o quociente eleitoral e
conquistarem cadeiras. Tal quadro está
refletido no número de candidaturas à
vereança. Segundo o Repositório de dados do
Tribunal Superior Eleitoral, somente na cidade
de São Paulo o aumento foi de 50% em relação
a 2016, o que já era esperado segundo as
convenções partidárias que reuniram um
número recorde de pré-candidatos. Em escala
nacional, o aumento foi de 11% somando mais
de 510 mil candidaturas aos cargos eletivos,
ou seja, cada partido por si lançou um elevado
número de candidatos na tentativa de receber
votos suficientes para atingir o quociente
partidário, o que significa altos gastos a todos

os partidos e confere preferência a candidatos
já conhecidos de legendas maiores.
O fim das coligações e o
estabelecimento do desempenho mínimo,
atrelados à nova cláusula de recebimento do
fundo partidário, demonstram mudanças
substanciais ao multipartidarismo brasileiro e
seu financiamento. É possível que muitos
políticos migrem para legendas maiores e que
muitas cheguem a ser dissolvidas ou fundidas
na tentativa de conquistar financiamento e
cadeiras no Legislativo. Tais mudanças, caso
levadas a cabo, impactarão profundamente
no sistema partidário brasileiro. Os resultados
das eleições de 2020, de caráter inédito,
poderão ditar a continuidade das novas
normas, já que estas se opõem aos interesses
de diversos partidos. Ocorre atualmente no
Senado a tramitação da PEC No 67 de 2019,
que revoga a modificação feita em 2015 e
permite novamente as coligações partidárias.
Ao final, a manutenção ou não da proibição às
coalizões depende da vontade política dos
parlamentares e do resultado das eleições
deste ano aos seus partidos.

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