Justiça e Imparcialidade

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Manoel Galdino Pereira Neto

RESENHA: ALBIN, Cecilia. Justice and Fairness in International Negotiation. Cambridge University Press. 2001. Onde encontrar: pela internet, na www.amazon.com: US$ 29,99.

15/8/2005

O livro de Cecília Albin busca discutir os conceitos de justiça e imparcialidade em processos de negociações internacionais. Nada mais oportuno face ao crescimento dos protestos que contestam a legitimidade de alguns fóruns e negociações internacionais nos últimos anos, além de algumas ações da política externa americana que têm levantado dúvidas sobre a possibilidade de se forjar justiça e justeza na cena internacional contemporânea.
No livro, Albin discute o uso das noções de justiça e imparcialidade, por meio de quatro estudos de caso. O primeiro trata do problema da redução da poluição do ar e da chuva ácida entre países europeus; o segundo aborda a rodada Uruguai do GATT que deu origem à Organização Mundial do Comércio; o terceiro caso discute as disputas étnico-territoriais do Oriente Médio, especialmente a questão Palestina; enquanto o último analisa as negociações envolvendo controle de armas (TNP).
Trata-se de uma contribuição importante onde o debate normativo não costuma ter acento. O livro não se resume a mera descrição de como os critérios de justiça foram aplicados. Ao contrário, visa discutir quando, como e por qual razão tais critérios influenciam as negociações internacionais. Para isso, adotou-se um critério de justiça de forma a discutir hipóteses e generalizações a partir dos casos estudados, ainda que na introdução do livro tenha rejeitado discussões (intermináveis) sobre qual o critério “mais justo” de justiça e igualdade.
Assim, Albin chamou de justiça todo acordo balanceado, levando-se em consideração as demandas e concessões das partes interessadas. Este critério, como o livro mostra, encontra-se presente nas negociações internacionais, seja para permitir que se chegasse a um acordo que de outro modo não seria possível, seja apenas para lançar uma agenda ou implementar um acordo.
Não obstante, esse é o ponto mais frágil do livro. Para avaliar a justiça nas negociações internacionais, Albin deve empregar algum conceito de justiça. A saída (inteligente) encontrada pela autora para resolver o problema de qual critério de justiça adotar foi escolher um que fosse ao máximo produzido internamente às negociações, ou que pelo menos se ajustasse à dinâmica das negociações. Contudo, ao fim e ao cabo, tal critério revela-se excessivamente limitado para as exigências do presente.
Nesse sentido, alguns apontamentos podem ser mencionados quanto ao conceito de justiça empregado. Em primeiro lugar, e paradoxalmente (para alguns), ele é excessivamente ajustado às práticas negociadoras reais, pelo menos nos casos escolhidos. De fato, um critério de justiça que se veja constantemente utilizado na prática pode ser considerado, em princípio, um bom critério, já que realista, não-utópico. Por outro lado, acaba por sancionar as injustiças existentes nas negociações internacionais que seriam iluminadas por outros critérios de justiça e, mais que isso, mitiga o potencial crítico que uma noção de justiça deve ter.
Ademais, ao adotar o conceito de justiça como balanço entre as demandas das partes, a autora desconsidera a própria possibilidade de que a demanda de uma parte não seja justa internamente àquela parte (país). Com efeito, parte dos variados protestos e manifestações de ativistas e organizações governamentais se dá justamente contra o Estado, ou contra o interesse de demanda manifestado pelo Estado. E, não podemos esquecer, muitas das negociações internacionais entre estados se dão entre países democráticos e não-democráticos, o que compromete a noção de justiça em um acordo alcançado entre as partes. Por exemplo, um acordo entre os EUA e China para não criticar questões de direitos humanos neste último país é justo, ainda que respondendo balanceadamente aos interesses das partes? Em termos mais gerais, qual o sentido de falar em acordo justo entre as partes no sentido dado por Albin quando a própria noção de interesse e valores de um país é considerado injusto ou, pelo menos, questionável? Não é no mínimo discutível empregar a noção de justo e justeza nesse contexto? É certo que a autora menciona a questão de envolver terceiras partes para considerar algo justo (no sentido de elas também considerarem razoáveis os acordos), mas não leva isso adiante em seu livro.
Por fim, vale mencionar que o livro foi escrito antes do 11 de setembro. Isso não significa que as noções de justiça tenham sumido das negociações internacionais. Mas seria interessante rediscutir o conceito de justiça e o seu papel a luz dos acontecimentos mais recentes nas relações internacionais, de forma a adequá-lo às questões mais prementes do presente.
Assim, sentimos falta no livro de uma discussão sobre quem se beneficia e quem se prejudica com as noções de justiça empregadas nas negociações internacionais e de uma abordagem que problematizasse a noção de interesse e concepção de justiça de um país. De toda forma, é um livro importante para aqueles interessados nas questões de justiça nas negociações internacionais. Primeiramente porque discute um tema importante para todos aqueles que desejam ver mais justiça nas negociações internacionais. Em segundo lugar porque mostra que há espaço para considerações de justiça nas relações internacionais. Em tempos de Bush na presidência americana, isso não é pouco.
Manoel Galdino Pereira Neto é mestrando em Ciência Política pela USP e pesquisador do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (CAENI-USP)

fonte:
15/8/2005