Mercosul, Longe dos Anos Dourados

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Claudia Mancini

Seminário “Mercosul: análise e perspectivas” CAENI-BID/Intal-IPEA
Difícil recuperar “magia” dos anos 1994-98. Déficit levaria Argentina a pedir cláusula de escape. Iniciativas como a de relançamento do Mercosul e de coordenação macroeconômica, no governo passado, e as atuais – Objetivo 2006 (proposta brasileira), instituto monetário (sugestão da Argentina), tratamento de assimetrias (proposta paraguaia) e incorporação de flexibilidades (projeto uruguaio) são típicas de períodos de crise, em que “a demanda por coordenação aumenta”. No momento, porém, os “instrumentos não estão disponíveis para a coordenação. O tema é como recuperar a estabilidade cambial e o crescimento na região”, avalia o economista Ricardo Rozemberg, diretor do Centro de Estudos para a Produção do Ministério da Economia e Produção da Argentina. Ele preparou o informe 2001-2002 sobre o Mercosul, publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Instituto para a Integração da América Latina e Caribe (Intal) e apresentado ontem, em São Paulo. Apesar da vontade política de reanimar o Mercosul, com uma agenda que inclui propostas ambiciosas, falta muito para o bloco recuperar a “magia” dos anos 1994 a 1998, acrescenta o economista argentino. Um exemplo da perda de dinamismo do Mercosul, segundo ele, é o comércio regional de frutas, que em 2001-2002 era 57,7% do que foi nos anos 1997-98. Em 2001-2002, o comércio bilateral de lácteos (Brasil-Argentina) era 50% do que havia sido em 97-98.

A participação argentina nas exportações do Brasil, que era de 13% em 1998, caiu para 4% em 2002, diz Rozemberg. Esse quadro mudou um pouco no primeiro semestre deste ano, com o início de recuperação da Argentina, cuja participação nas vendas do Brasil subiu para 6%, enquanto as exportações argentinas para o mercado brasileiro continuam caindo, o que incomoda os industriais do país vizinho, que querem salvaguardas e medidas restritivas.

A Argentina deverá pedir uma “cláusula de escape” ao Mercosul, revelou Rozemberg, no lançamento do informe sobre o Mercosul organizado pelo Centro de Estudos de Negociações Internacionais (Caeni), BID/Intal e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Cláusula de escape é um mecanismo que permite a violação das regras de um determinado acordo, sob certas condições. Em comércio internacional, o exemplo clássico de cláusula de escape são as salvaguardas (artigo XIX do Gatt, Acordo de Salvaguardas).

O bloco está distante da realidade do período 1994-98. “Foram anos dourados, quase mágicos da integração, em que havia estabilidade cambial e monetária, os ciclos econômicos dos países eram comuns, o fluxo de capitais permitia financiar desequilíbrios e tínhamos comércio intersetorial equilibrado”, como na indústria química e têxtil, lembra Rozemberg. A partir de 1999, começa a crise nos países do Mercosul – Brasil e Argentina têm ciclos produtivos negativos, o mercado regional perde dinamismo, os fluxos de capitais retornam ao nível do início dos anos 90 e ocorre uma série de retrocessos. Começa-se a duvidar de um processo de economia de desenvolvimento”. Além disso, alerta o economista argentino, um padrão de comércio bilateral em que o Brasil exporte manufaturas e a Argentina, produtos agrícolas “não é sustentável”.

Pensando o Futuro

Na avaliação de Rozemberg, em vez de iniciativas ambiciosas, os países do Mercosul deveriam trabalhar em uma “agenda pequena de temas porque os princípios básicos da integração estão questionados”. O autor do Informe Mercosul sugere uma revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) com reduções em algumas alíquotas altas, o que seria “um sinal político importante”. Outras medidas sugeridas: “limpar a mesa de barreiras comerciais; determinar um pequeno conjunto de disciplinas que permitam o livre comércio; ter uma instituição para administrar o intercâmbio; avançar nas cadeias de valor regionais e na agenda institucional; criar uma instância independente técnica para trabalhar em questões relacionadas com a agenda externa; aperfeiçoar o processo de internalização das normas; melhorar o acesso participativo nos mecanismos de solução de controvérsias; propiciar maior participação dos parlamentares e da sociedade civil no Mercosul”.

(Gazeta Mercantil/Caderno A10)(Maria Helena Tachinardi)

Bloco Precisa Agora de uma Agenda Enxuta

São Paulo, 22 de Agosto de 2003 – O mais importante neste momento para o Mercosul é organizar uma agenda enxuta de negociação, e que portanto não seja tão ampla quanto a de 2006, que prevê a entrada em vigor do mercado comum a partir daquele ano, diz Janina Onuki, diretora executiva do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni). Quanto às prioridades do bloco nos próximos meses, deveriam incluir a discussão da harmonização de políticas macroeconômicas entre Argentina e Brasil e uma institucionalização maior das regras das negociações, afirma. Por exemplo, os processos de discussão deveriam ter regras mais detalhadas, como prazos, que devem ser cumpridos. Hoje, os países fazem propostas sobre determinado tema e as discussões ocorrem sem se chegar com facilidade a um consenso, diz ela.

A diretora do Caeni concorda com o economista Ricardo Rozemberg, do Centro de Estudos para a Produção do Ministério de Economia da Argentina (ver matéria ao lado), de que é preciso agora discutir uma agenda básica para o bloco, que inclua itens como revisão da Tarifa Externa Comum.

Quanto à adoção de um sistema de aprovação de medidas no Mercosul também por maioria, e não só por consenso como é hoje, citado por Rozemberg como um tema que poderia ser discutido, para Janina “seria complicado propor isso neste momento aos sócios, porque poderia aumentar a desconfiança de Paraguai e Uruguai com o Brasil e a Argentina, e o grau de cooperação se limitaria”. O modelo do bloco é o de cooperação e decisões por maioria poderiam não se encaixar nele, diz ela.

fonte: Gazeta Mercantil
22/8/2003