Parceria Caeni – Columbia University

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Em 2008, o Centro de Estudos das Negociações Internacionais (CAENI) firmou um convênio com a Escola de Relações Internacionais (School of International and Public Affairs-SIPA) da Universidade de Columbia para a realização de pesquisas no Brasil, com a participação de estudantes norte-americanos e brasileiros. O Professor João Paulo Veiga é o responsável pela parceria internacional do Caeni, e atua como um “ponto focal” do convênio para a organização do trabalho de campo e o acompanhamento dos estudantes.

Caeni – Professor João Paulo Veiga, como nasceu essa parceria com a Universidade de Columbia?

Em meados de 2007, realizei uma apresentação no Instituto de Estudos Ibero Americanos da Universidade de Columbia (ILAIS) sobre o comportamento das empresas multinacionais no Brasil no que diz respeito ao cumprimento dos chamados core labor standards, os direitos fundamentais do trabalho consagrados pela OIT através de Convenções e Recomendações. Através de professores conhecidos, recebi o convite para promover e organizar pesquisas no Brasil que fossem de interesse dos estudantes de pós graduação latu sensu daquela universidade sobre os temas de “trabalho”, “responsabilidade social empresarial”, “meio ambiente” e “sustentabilidade”. São estudantes de dois MBAs que mais se interessam pelo Brasil, o Master of International Relations (MIR) e o Master of Public Administration (MPA), ambos vinculados à SIPA. Antes disso, já havíamos trabalhado com professores da Universidade de Columbia que atuaram como Peer Reviewers de consultorias que desenvolvemos junto à ONU através do programa Global Compact (Pacto Global). A parceria com a Columbia envolve também o Instituto Observatório Social (IOS) que tem muito acúmulo a respeito de pesquisas acerca do comportamento social e trabalhista de empresas multinacionais.

Caeni – Como funciona o trabalho de pesquisa? Quais são os objetos de estudo?

O Caeni acaba sendo uma espécie de “ponto focal”, um facilitador que organiza o plano de trabalho, a pesquisa de campo, e discute com os alunos a elaboração do relatório final. Eu acabo coordenando o trabalho no Brasil e o professor da Columbia, Scott Martin, coordena o trabalho de Nova Iorque. Atuamos juntos desde o início, a escolha do tema, a metodologia empregada, o desenho da pesquisa de campo, as entrevistas, viagens e os produtos, discutimos tudo em conjunto com a equipe de pesquisa através de conferências, e-mails, skype, etc.

Os objetos de estudo variam. Podem ser empresas – ações, políticas ou programas específicos, pode ser um tema, pode ser uma instituição como uma ONG ou um Instituto, depende do interesse dos estudantes e da viabilidade da pesquisa em função do tempo disponível. Os temas sempre estão vinculados à sustentabilidade social e ambiental. Os estudantes passam duas semanas em janeiro e voltam em março para mais duas semanas de trabalho de campo. O tema tem que ser compatível com essa disponibilidade, depois disso é só networking. O relatório final é apresentado como trabalho de conclusão do MBA em Nova Iorque no final de maio, início de junho, ao final do semestre letivo, e os estudantes também organizam uma apresentação no Brasil. No ano passado, como o caso envolvia uma empresa, o trabalho foi apresentado aos executivos da Unilever em São Paulo que participaram da pesquisa em Goiás. A idéia é também apresentar o trabalho para as partes interessadas envolvidas com a pesquisa mas isso ainda não foi possível fazer por conta dos custos envolvidos.

Caeni – Quais casos e que temas foram escolhidos? Quais os resultados alcançados até o momento? 

No primeiro ano, escolhemos realizar uma pesquisa que fizesse uma avaliação de dois projetos de responsabilidade social empresarial da empresa anglo-holandesa Unilever em cinco municípios do Estado de Goiás (os projetos são o “Infância Protegida” e o“Rural Responsável”). Os dois projetos foram desenhados para combater o trabalho infantil na região. Já tínhamos uma relação com a empresa de longa data através do IOS, e a empresa percebeu que era uma oportunidade de ela mesma permitir a realização de um balanço do que eles haviam desenvolvido até então em termos de responsabilidade social empresarial. Esse tema não tem “modelos” prontos, cada empresa desenvolve os projetos que melhor lhes convém.

O resultado final foi muito positivo, todos ficaram satisfeitos. A empresa sentiu que seus projetos foram valorizados porque o trabalho foi realizado com independência, isenção. Os estudantes desenvolveram um olhar crítico e, às vezes, contundente, mas colocaram os problemas na forma de “melhorias”, “desafios”, uma linguagem mais aceitável pelo mundo corporativo. Para o Caeni, o relatório é um instrumento de qualidade, que só confirma o alto nível dos estudantes da Columbia e o esmero e a seriedade com que se dedicaram ao trabalho. Para o IOS, foi uma oportunidade de aprofundar a pesquisa sobre um dos direitos fundamentais do trabalho e enxergar os dilemas e desafios de uma perspectiva mais complexa, menos baseada em denúncias e mais focada na necessidade de articular políticas públicas e ações corporativas para resgatar as crianças e as famílias das crianças de uma condição de vulnerabilidade social. Quem mais ganhou mesmo foram os estudantes que participaram de uma experiência impar, se envolveram emocionalmente com o trabalho, e se sentiram muito realizados com o resultado. A repercussão não poderia ser melhor.

No segundo ano, o foco é um tema de maior complexidade, a cadeia produtiva do alumínio, o que permite ampliar a discussão para além das questões trabalhistas e ambientais. Entram aqui a questão do desenvolvimento regional, qual a contribuição efetiva das empresas para a sociedade, o problema dos subsídios concedidos pelo governo às empresas cujos processos produtivos são altamente dependentes de energia, como essas empresas se envolvem com as comunidades e os movimentos sociais, tudo isso dentro de uma abordagem multistakeholder, ou seja, um recorte que tenta aglutinar os interesses de todas as partes interessadas no negócio do alumínio. A novidade dessa segunda experiência é que agora há estudantes da USP que participam do trabalho, fazem parte da equipe de pesquisa.

Caeni – Não há conflito de interesses? A participação direta da empresa não coloca um viés que interfere no resultado final do trabalho?

É verdade, no caso do estudo da Unilever há sim um viés. Pela disponibilidade de tempo e pelos custos envolvidos, não tem jeito, ou fazemos o trabalho assumindo o viés de saída, ou não tem pesquisa. Nesse caso, a empresa montou uma agenda de entrevistas e visitas em Goiás, e nós montamos outra “paralela”. Esse recurso ajudou para que o estudo não pendesse para um recorte demasiado empresarial, fizemos questão de desenvolvermos uma agenda própria, que não estivesse sobre estrito controle da empresa. Por exemplo, entrevistamos os “gatos”, os intermediários de mão de obra não formalizada, fomos à sua casa, a empresa ficou muito preocupada, mas tudo acabou bem porque havia confiança mútua. O mais importante de tudo nós garantimos, a empresa não pode pagar pelo estudo, de maneira nenhuma! Isso não pode acontecer nunca, no dia que a empresa pagar acabou a “isenção” ou, se quiserem, a neutralidade científica, segundo o pressuposto do positivismo metodológico. Precisamos muito de funding para custear a participação dos estudantes brasileiros, mas não podemos aceitar o pagamento das empresas porque aí viramos consultores e não é esse o propósito da parceria. O objetivo principal é promover uma pesquisa empírica diferenciada para estudantes de alto nível que possam refletir e vivenciar uma experiência marcante em suas vidas, e que essa experiência sirva para sua bagagem profissional futura. Esse é o papel de uma universidade como a USP e a Columbia, promoverem cada vez mais esse tipo de experiência multicultural, a partir de um tema/questão, com a reflexão e a bagagem teórica obtida nos cursos de graduação e pós graduação.

Caeni – Quais as vantagens desse tipo de iniciativa?

Trabalhar com estudantes estrangeiros de alto nível, com excelente formação, de diversas partes do mundo, enriquece muito a formação cultural dos estudantes brasileiros envolvidos. Na Columbia, há estudantes do mundo todo, na equipe de pesquisa da Unilever eram todos cidadãos americanos mas com background cultural diverso, uma iraniana, uma paquistanesa, uma colombiana, uma filipina e uma chinesa. Na USP ainda não temos essa diversidade toda, estamos ainda acostumados com alguns latinoamericanos, e um punhado de estudantes de alguns países africanos. Isso está mudando lentamente. Colocar os estudantes da USP para realizar uma pesquisa com um grupo tão diverso é muito importante, torna a nossa universidade mais cosmopolita, vai ao encontra da tendência mundial de transformar o ensino e a pesquisa em processos cada vez mais integrados culturalmente, e isso passa pela diversidade étnica, cultural, e por distintas experiências de vida e reflexão teórica.

Os estudantes valorizam uma universidade que promove esse tipo de oportunidade, contato com estudantes estrangeiros de várias partes do mundo, imergir em uma pesquisa de campo com vistas à reflexão de um problema/conflito, de natureza social, ambiental ou econômico, e cujo resultado permite desenvolver de perto uma abordagem científica da questão em tela. Problematizar, refletir e atuar como pesquisadores, em conjunto, esse é o grande acúmulo dos estudantes, valorizamos o processo de aprendizado e não abrimos mão da excelência acadêmica aplicada a esse formato de pesquisa empírica. Nos dois anos de parceria, os resultados são muito positivos, principalmente para os estudantes, os maiores beneficiados.

Caeni – Quais as perspectivas para os próximos anos? A parceria pode ser ampliada? Em qual direção?

Sim, queremos avançar na parceria. Aumentar o número de estudantes brasileiros é o primeiro objetivo. Para isso, precisamos de apoio de entidades que concedem bolsas e/ou financiam esse tipo de pesquisa. Podemos ampliar o número de parceiros institucionais no Brasil e solicitar funding institucional para ampliar as pesquisas. Gostaríamos que os estudantes brasileiros pudessem passar um período da pesquisa nos Estados Unidos, algo mais formalizado com a equipe da Columbia, para isso, novamente, precisamos de recursos. Essa parceria também poderia gerar um grande projeto institucional sobre o tema da sustentabilidade, envolvendo empresas e stakeholders, e a pesquisa ser uma atividade entre muitas outras.