Poderíamos Rir Como Perfeitos Europeus

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Cyro F. Andrade De São Paulo

Por que o Brasil não entra logo na União Européia (UE)? As amplas condições de acesso permitem a adesão de países não-europeus – Marrocos e Tunísia, por exemplo, que são africanos, apresentaram suas candidaturas e a Turquia está prestes a ser admitida, embora seja mais asiática do que européia. Essa proposta, que encontraria sentido e justificativa nas próprias origens européias do Brasil, traria a vantagem de “reembaralhar todas as relações internacionais do País”, com a criação de outros parâmetros para a discussão de vários assuntos que hoje transitam pela agenda do Itamaraty, afirma o professor Luiz Olavo Baptista, catedrático de Direito Internacional da Universidade de São Paulo. Entre esses temas, a questão das relações com a Argentina e seus gêmeos, o processo-tartaruga de edificação do Mercosul e as relações deste com a UE, provavelmente tomariam rumos insuspeitados.

A Argentina, afirma Baptista, não está interessada em que o Mercosul avance. Pretende apenas extrair todas as vantagens possíveis, para depois cuidar da própria vida. Enquanto se deixa embalar pelo falatório milongueiro de Buenos Aires, o Brasil perde tempo e oportunidades para resolver seus próprios problemas, com ou sem o Mercosul.

Com a adesão à UE, tudo mudaria. Novas escalas de prioridades se estabeleceriam. E todos ganhariam, brasileiros e europeus, com a ampliação da UE para uma dimensão maior que a da Índia, em possibilidades de benefício econômico imediato e potencial. Nem para a questão da livre circulação de pessoas haveria obstáculos, prevê Baptista. Poderiam ser estabelecidos critérios como os adotados para os países da Europa do Leste, com um tempo de graça e indicadores que depois seriam observados para regular o trânsito migratório.

Da forma como as coisas se dão hoje, diz Baptista, o Brasil corre inutilmente atrás de vantagens políticas, que são seu primeiro objetivo na busca de valorização do Mercosul, antes das razões puramente econômicas. Isso significa que, no contexto de referências dadas pelo Mercosul, pretende -se conquistar a solidariedade argentina nas várias esferas de debate e negociação internacional – inclusive, com a UE.

Entretanto, não se tem esse benefício político, nem compensações proporcionais às concessões que se fazem em matéria econômica. Baptista lembra o caso do açúcar, entre vários outros, “parados há muito tempo, sem a solução esperada pelo Brasil”. A Argentina foi atendida na pretensão de ter um regime especial para o produto, logo no começo da aplicação do acordo. Mas havia um prazo para vigência do privilégio, que já expirou há tempos, sem que a Argentina aceite reverter sua posição, sob a alegação de que certas províncias precisam daquela proteção. Enquanto isso, compara Baptista, o Brasil cumpriu integralmente o combinado a respeito do trigo, “embora os produtores brasileiros quase fossem sufocados”.

“O Brasil precisaria ser mais firme no estabelecimento de limites para os parceiros. O que é admissível? O que não é? Seria melhor para o Mercosul se o Brasil fosse mais claro em suas atitudes”, diz Baptista. “Tem que haver respeito aos engajamentos assumidos. Há preços que não se pagam. A impressão que fica é a de que a Argentina controla a política externa brasileira.”

Não será fácil chegar à convergência. “A escola diplomática argentina é pragmática, realista”, explica Baptista. Em Buenos Aires, trabalha-se por objetivos. A diplomacia brasileira “é mais idealista”. Em Brasília, trabalha-se por princípios, mais do que pela obtenção de vantagens concretas.

Como consequência desses desencontros, o Mercosul encontra-se em franca regressão. “Estava perto de ser uma zona aduaneira única.” Hoje, “tem mais exceções do que no começo”, avalia Baptista. “Tornou-se uma instituição perdedora.”

Será que a Argentina não está pensando em chegar a Bruxelas antes do Brasil?

fonte: Publicado no jornal Valor Econômico. Sexta-feira e fim de semana, 15, 16 e 17 de outubro de 2004
15/10/2004