Terceirização de Serviços Abre Espaço Via Comércio Intrafirmas

Ricardo C. Mendes e Amâncio J. Oliveira

Há oportunidades em “offshoring” para o Brasil
É cada vez maior o número de empresas nos Estados Unidos e na Europa que utilizam o recurso da terceirização de serviços para países em desenvolvimento visando à redução de custos operacionais e ao aumento de produtividade. Nessa onda, a Índia tem se destacado como um dos principais exportadores de serviços de Tecnologia da Informação (TI) e de Processos de Suporte a Negócios (BPO, na sigla em inglês), que engloba call centers, processamento de dados, digitação, contabilidade e outros, além de áreas mais qualificadas como, por exemplo, design, desenvolvimento e criação.

A vantagem competitiva da Índia em TI e BPO é produto de uma combinação de abundância de profissionais com formação em ciências exatas, custos trabalhistas relativamente baixos, fluência em inglês de grande parte da população e existência de uma vasta comunidade de indianos radicada nos principais mercados e em centros de excelência no exterior. Esta é, aliás, uma vantagem comparativa adicional na medida em que, além de facilitar os contatos pessoais dos empresários, os indianos radicados na Europa e nos EUA conseguem captar recursos a juros baixos para serem investidos na produção de serviços para exportação na Índia.

Mesmo não dispondo das vantagens comparativas da Índia, a fragmentação dos processos produtivos e terceirização na área de serviços abrem oportunidades interessantes para o Brasil. Particularmente via comércio intra-firma, pois as principais “compradoras” de serviços de TI e BPO do Brasil são as matrizes de empresas que têm presença comercial no país. As principais características que colocam o Brasil entre os destinos mais atrativos para a recepção de serviços terceirizados são as seguintes:

– Vasto contingente de trabalhadores qualificados para exercer atividades de desenvolvimento de software, implantação de sistemas, processamento de dados, centrais de reserva, serviços de marketing etc.;

– Políticas públicas de fomento para o setor de TI;

– Fuso horário favorável, que coloca o país a apenas poucas horas de diferença dos principais mercados.

Muito além do minguado crescimento econômico do país entre 1995 e 2000, de acordo com dados FMI, as exportações de serviços de BPO cresceram cerca de 20% no mesmo período, o que coloca o Brasil atrás somente da Índia (43%) e de Israel (28%), e no mesmo patamar de Dominicana (20%). A despeito das diferenças nos valores nominais das exportações de serviços nesse ranking, fica evidente o potencial que o Brasil tem em se tornar um dos principais provedores de serviços terceirizados para os grandes mercados.

Se por um lado o “offshoring” de serviços é hoje estratégia fundamental para a produtividade e competitividade das grandes empresas, a contrapartida é o acalorado debate protecionista nos Estados Unidos e na Europa. Essa discussão tem implicações diretas para países como o Brasil.

Apesar das dificuldades em criar barreiras para a importação de serviços prestados à distância (modo 1, no formato GATS), os economistas Aaditya Mattoo e Sacha Wunsch, do Banco Mundial e do Instituto de Economia Internacional, respectivamente, mostram que medidas protecionistas nas licitações públicas já estão em vigor em vários estados norte-americanos e que o tema promete ganhar corpo, na medida em está também sendo debatido no âmbito federal .

Mattoo e Wunsch afirmam que outras medidas protecionistas de cunho regulatório, como qualificações e cláusulas trabalhistas poderão afetar o comércio internacional de serviços não-governamentais. A Comissão Européia, por exemplo, aprovou recentemente legislação sobre proteção de dados, que exige padrões de segurança específicos para que documentos possam ser enviados para fora do bloco.

Ainda mais do que a Índia, o Brasil tem nas mãos importantes instrumentos para se prevenir das diversas formas de protecionismo que surgirão para a prestação de serviços de TI e de BPO transfronteiriços, na medida em que além da OMC, o país participa de outras importantes negociações comerciais. Apesar da classificação de serviços utilizada pela OMC não listar todos os itens de TI e de BPO – até porque não se tem claro essa classificação – vários subitens como serviços de contabilidade e auditoria; serviços de implementação de softwares; serviços de processamento de dados; serviços de consultoria de gerenciamento; entre outros, constam no documento conhecido como W/120 do GATS. Além disso, os países que assim desejarem, podem incluir serviços que não constam na lista de compromissos sob a categoria “outros serviços”. Mesmo tendo interesse ofensivo em vários subsetores de TI e de BPO, nenhum compromisso de prestação transfronteiriça foi assumido pelo Brasil.

No âmbito da Alca, caso as negociações sejam retomadas, é provável que prevaleça estrutura de negociações do GATS para serviços, inclusive no que tange a lista de classificação setorial (W/120). Seria importante um aperfeiçoamento da classificação setorial do GATS de forma que TI e BPO fossem incluídos como setores. Posteriormente, o país deveria consolidar compromissos nesses setores e exigir reciprocidade das demais partes envolvidas no processo de constituição do bloco. Nas negociações Mercosul-UE, onde já é certo que o modelo GATS será adotado, os compromissos em acesso a mercados para serviços transfronteiriços de TI e BPO deve fazer parte da oferta do bloco.

Além dessas medidas assinaladas, uma forma viável do Brasil driblar as já existentes barreiras de exportação de serviços para órgãos governamentais americanos e europeus seria considerar compromissos em acordos de compras governamentais.

Cabe lembrar ainda que há um projeto de lei em tramitação no Congresso americano que restringe o acesso das empresas que terceirizam serviços no exterior às licitações públicas federais. É previsto que os países que têm acordos de compras governamentais com os EUA fiquem de fora dessa regulação. Isso tenderá a agravar perdas de preferências no acesso ao mercado americano, processo já em curso graças à opção abertamente bilateralista deste país.
Ricardo Camargo Mendes é gerente de projetos da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Trevisan. Amâncio Jorge Oliveira é Diretor de Pesquisa do Centro de Altos Estudos de Negociações Internacionais (Caeni).

fonte: valor econômico
15/7/2004

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